FIM DE TURNO
Saídas de fábrica no cinema
de Lumière a Loach
Site-livro de Carlos Alberto Mattos
Novas saídas Lumière

O centenário do advento do cinematógrafo, em 1995, foi marcado por celebrações e produções comemorativas em diversas partes do mundo. Em Lyon, o Instituto Lumière, instalado onde ficava a fábrica da família no Chemin St. Victor, hoje denominado Rue du Premier Film, centralizava as atenções com uma extensa programação. No dia 19 de março, exatos 100 anos depois da filmagem inaugural, as festividades tinham seu clímax com uma “refilmagem” da saída dos operários não mais da fábrica, mas do hangar preservado como primeiro set de filmagem da história.
A postos estavam a mesma câmera usada pelos Lumière e um negativo semelhante, fabricado especialmente para a ocasião. Dessa feita, porém, no lugar dos operários estavam dezenas de cineastas de vários países, felizes por cruzarem o portão recriando a cena antológica. Entre eles se encontravam Cacá Diegues (Brasil), Claude Miller, Jean-Jacques Beineix, Claude Sautet, Jean Rouch, Jacques Deray, Diane Kurys, Claude Lelouch (França), Stanley Donen, Robert Parrish, John Berry, James Gray, Jerry Schatzberg (EUA), Mrinal Sen (Índia), Karel Reisz, Stephen Frears, John Boorman (Inglaterra), Andrei Konchalovski, Nikita Mikhalkov (Rússia), Youssef Chahine (Egito), Souleymane Cissé (Mali), Abbas Kiarostami (Irã), Aki Kaurismäki (Finlândia), Miguel Littín (Chile), Francesco Rosi, Paolo e Vittorio Taviani (Itália) e Merzak Allouache (Argélia).
Cacá Diegues recontou o episódio num texto espirituoso publicado na Folha de S. Paulo.
A fotógrafa Anik Couble registrou aspectos da cerimônia.
Desde então, o local da antiga fábrica foi declarado monumento histórico e convertido em centro cultural. O Instituto Lumière é hoje um misto de museu, cinema e recinto que pode ser alugado por empresários para “agregar história e emoção a seus eventos”. Em seu ensaio sobre as relações entre fábrica e museu, a escritora, documentarista e professora alemã Hito Steyerl especula: “Os trabalhadores que deixaram a fábrica em 1895 só o fizeram para ressurgirem dentro dela como espetáculo. Quando os trabalhadores saem da fábrica, despertando atenção e emoção, o espaço em que entram é o do cinema e da indústria cultural”.
As saídas de celebridades
A partir de 2013, o Instituto Lumière iniciou uma tradição que se perpetua até hoje. A cada aniversário do instituto, em outubro, quando é realizado o Festival Lumière, cineastas de diferentes partes do mundo são distinguidos com o Prêmio Lumière e convidados a recriar livremente a saída da “fábrica”, desde que mantidas a locação e a perspectiva da câmera originais. Os elencos são formados por atores, atrizes, cineastas, críticos e demais personalidades presentes no festival.
Incompreensivelmente, o Instituto Lumière guarda a sete chaves esses pequenos filmes. Meu pedido de liberação do material para constar neste site-livro, ou pelo menos para visioná-lo, foi negado pela direção. Assim, resta-nos usufruir o relance gravado pelos celulares de pessoas que costumam acorrer ao local para assistir à filmagem e publicam nas redes sociais.
Em 2013, Quentin Tarantino, Michael Cimino e Jerry Schatzberg foram os diretores convidados. O elenco incluía Keanu Reeves, Isabella Rossellini, Rossy de Palma, Bérénice Bejo, Brigitte Fossey, Bertrand Tavernier, John McTiernan e Jean-Pierre Jeunet.
Pedro Almodóvar, Paolo Sorrentino e Xavier Dolan dirigiram as versões de 2014. Consta que Almodóvar fez duas tomadas – uma em “modo otimista”, em que as pessoas sairiam felizes, a passos firmes, pensando em seus familiares; outra em “modo deprimido”, cabeças baixas como os operários de Metrópolis. Sorrentino, por seu turno, pediu que seus “atores” dessem as costas para a câmera e entrassem no hangar. Em seguida, Marisa Paredes, Rossy de Palma, Isabella Rossellini e Berenice Bejo sairiam enchapeladas. Já Dolan solicitou que as pessoas saíssem se filmando com seus celulares para lembrar que vivemos o tempo do ego e das redes, no qual não falamos uns com os outros.
Em 2015 foi a vez de Martin Scorsese. Para não fugir a sua marca do cinema de ação, ele encenou um choque entre duas ciclistas em meio à saída dos participantes. As versões de 2016 foram assinadas por Costa-Gavras e Park Chan-Wook. Entre os participantes destacavam-se Catherine Deneuve, Quentin Tarantino e Vincent Lindon. Wong Kar-Wai, Jane Fonda e Francis Coppola gritaram “Ação!”, respectivamente, em 2017, 2018 e 2019.
As refilmagens mais recentes foram dirigidas pelos irmãos Luc e Jean-Pierre Dardenne (2020, com os rostos dos participantes semi-encobertos pelas máscaras da Covid-19), Jane Campion (2021), Tim Burton (2022), Wim Wenders (2023) e a atriz Isabelle Huppert (2024). Os Dardenne abriram um espaço nobre para a atriz Emilie Duquene, intérprete do seu clássico Rosetta, sair do instituto na garupa de uma motocicleta.
Vejam aqui uma montagem com fragmentos das várias versões, editados por mim a partir de registros encontrados principalmente no Youtube.


As saídas dos comuns
Desde 2015, os moradores de Lyon e quem mais desejar podem se inscrever para “sair da fábrica” e ter sua participação eternizada nos pequenos filmes arquivados no site do instituto. As pessoas se credenciam nos diversos horários disponíveis do dia 19 de março e, depois de assistirem ao filme original, são organizadas pela equipe para cruzarem o portão de vidro e se dispersarem alegremente na Rue do Premier Film.


1895

2023
Sou um parágrafo. Clique aqui para adicionar e editar seu próprio texto. É fácil.
No próximo vídeo constam quatro desses registros, selecionados por mim. O primeiro de todos foi rodado ao meio-dia de 19 de março de 2015. Consta que cerca de 3 mil pessoas atuaram naquela jornada inaugural. Uma das saídas de 2015 foi protagonizada pela equipe do clube de futebol Olympique Lyonnais. Jogadores e jogadoras divertiam-se com bolas de plástico sob a direção de Thierry Frémaux, diretor do Instituto Lumière e organizador de todas as refilmagens desde 2013. Em seguida, um exemplar particularmente pitoresco de 2017, quando a efeméride já havia se transformado em divertimento comunitário, com famílias levando suas crianças, casais se beijando, pessoas fantasiadas, etc. Por fim, o mais recente, filmado às 19 horas de 19 de março de 2024. Nesse caso, os “operários” são funcionários da Câmera de Agricultura de Rhône, que comemorava 100 anos.
As filmagens em preto e branco não têm som.