FIM DE TURNO
Saídas de fábrica no cinema
de Lumière a Loach
Site-livro de Carlos Alberto Mattos
No portão dos Lumière
O filme do patrão

A história oficial do cinema consagrou La Sortie de
l'Usine Lumière à Lyon como o primeiro filme, razão pela qual a rua para onde afluem os trabalhadores, o Chemin St. Victor, passaria a ser chamada de Rue du Premier Film. Chama atenção de imediato o fato de que o cinematógrafo se inaugurava com a classe trabalhadora diante da câmera. Um contingente que, mais tarde, ficaria praticamente invisível, quando o cinema proto-industrial passou a se interessar quase somente por figuras de celebridade e poder.
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Ainda assim, cabe observar as condições em que aqueles operários e operárias protagonizavam o filme do patrão.
Em todas as versões, a abertura dos portões equivalia ao grito de “Ação!” que então ainda não se tinha convencionado nas filmagens. Como a câmera dos Lumière não tinha viewfinder, era a moldura dos portões que garantia o posicionamento dos “atores” no quadro pré-fixado.
O fato de serem filmados na ação incessante de sair da fábrica indica que os Lumière pretendiam sobretudo enfatizar que era possível exibir o movimento contínuo na imagem capturada pela câmera. O cineasta alemão Harun Farocki analisou o motivo das "saídas de fábrica" no seu filme Trabalhadores Saem da Fábrica (Arbeiter Verlassen die Fabrik, 1995), numa videoinstalação homônima e num ensaio correlato (veja o capítulo "A fábrica segundo Harun Farocki"). Ele entende que "o movimento visível dos operários está no lugar do movimento invisível das mercadorias, do dinheiro e das ideias que circulam na indústria". Já o historiador Georges Sadoul via ali "quase um anúncio publicitário", o que é de certa forma desmentido pela ausência de placa ou identificação da fábrica Lumière na imagem.
Seja como for, ao atender à convocação, os trabalhadores estavam servindo ao patrão. Para Farocki, enquanto deixam a fábrica eles são massa, pura força de trabalho, mas, depois que cruzam o portão e se dispersam, voltam a ser indivíduos. Deixam para trás uniformes, ferramentas e a condição de operários. A ambiguidade da situação reside no fato de participarem de uma encenação lúdica, que provavelmente era fonte de orgulho por estarem representando a empresa que inventou o cinematógrafo, e ao mesmo tempo estarem a serviço de seus empregadores. De toda maneira, a saída coletiva de operários passava a funcionar como uma exposição do patrimônio humano dos donos.
Cabem aqui algumas perguntas: os empregados dos Lumière podiam escolher se participavam das filmagens ou teriam sido convocados compulsoriamente? Teriam recebido horas extras ou algum tipo de compensação nas duas filmagens que ocorreram num domingo ou teriam sido os primeiros figurantes não remunerados do cinema? Em 1895, não havia nenhuma lei em vigor na França que limitasse o horário de trabalho. Os sindicatos eram ilegais no país até 1884, e a Confederação Geral do Trabalho (CGT), a primeira e maior confederação de sindicatos da França, foi criada apenas em setembro de 1896.
Os Lumière não tinham a melhor reputação do mundo como empregadores. As condições de trabalho na fábrica eram consideradas extremamente duras. Daí que a alegria demonstrada pelos operários e operárias ao deixarem o estabelecimento pode ser metaforicamente interpretada como uma imagem de alívio. Harun Farocki especula que o cinematógrafo teria agido aí como um predecessor das câmeras de vigilância em fábricas. Levando adiante o raciocínio, Farocki faz um paralelo entre a saída da fábrica e a saída da prisão.