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A fábrica segundo Harun Farocki

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O centenário do cinematógrafo Lumière, em 1995, foi marcado também pela aparição do filme Trabalhadores Saem da Fábrica (Arbeiter verlassen die Fabrik), do alemão Harun Farocki (1944-2014). Cineasta-ensaísta estudioso dos usos cinematográficos em diversos setores do mundo industrial, Farocki se dedicou em vários projetos ao motivo da saída da fábrica. Seu trabalho foi o estímulo inicial para o meu estudo e a confecção deste site-livro.

O filme de 1995 é um média metragem de 36 minutos que compila cenas do gênero em documentários e filmes de ficção nos 100 primeiros anos de cinema. No início, Farocki destaca a pressa com que os trabalhadores deixavam o recinto da fábrica em vários filmes da virada do século XX. Operários são vistos saindo de uma fábrica da Siemens diretamente para um comício nazista na Berlim de 1934. Mais adiante, reúne trechos de antigos filmes sobre greves e lutas trabalhistas, nos quais o portão da fábrica se tornava um campo de batalha. Em 1975, vemos pessoas deixando o trabalho ao som de uma música sindicalista com letra de Maiakovsky. A condição dos operários no interior da fábrica contrasta com o fim de turno e a saída que os reconecta com a vida individual. O filme está aqui na íntegra:

Farocki sustenta a tese de que, sempre que possível, o cinema se afastou das fábricas. Juntamente com o filme, ele publicou um ensaio homônimo, em que acusa: “no cinema comercial, o temor à fábrica só fica atrás do temor à morte”. E continua: “A aparência de comunidade não dura muito. Imediatamente depois de passarem correndo pelo portão, eles [os trabalhadores] se dispersam para se tornarem indivíduos, e é esse aspecto de suas existências que é abordado pela maioria dos filmes de ficção”. A afirmação faz sentido especialmente no que tange ao cinema comercial dos países capitalistas, uma vez que no cinema socialista o trabalho fabril foi frequentemente exposto e celebrado.  

 

Instalação e workshops

 

Em 2006, Farocki apresentou pela primeira vez a instalação Trabalhadores Saem da Fábrica em Onze Décadas (Arbeiter verlassen die Fabrik in elf Jahrzehnten), derivação do seu filme de 1995. A obra consiste de 12 monitores dispostos lado a lado no chão. Cada um exibe continuamente a cena de um filme, em ordem cronológica, numa proposta de (des)montagem simultânea. O primeiro à esquerda é o filme dos Lumière. O último à direita é Dançando no Escuro, de Lars Von Trier. Frames de cada filme podem ser vistos neste link

 

O projeto se estendeu a partir de 2011 com a realização de workshops em 15 cidades de vários países, conduzidos inicialmente por Harun Farocki e Antje Ehmann. Os participantes deviam criar vídeos que registrassem processos de trabalho de qualquer natureza em tomada única (fixa ou móvel) de 1 a 2 minutos. Labor in a Single Shot (Trabalho em Tomada Única) admitia qualquer tipo de ocupação, paga ou não paga, material ou imaterial, tradicional ou nova.

 

Os curadores incentivavam a captação de algum sentido narrativo, por mais tênue que fosse. Partiam da ideia de que todo processo de trabalho, seja ele repetitivo ou não, apresenta começo, meio e fim. No conceito do projeto constam as seguintes considerações:

 

Labor in a Single Shot visa responder e lidar com as características específicas de cada uma das 15 cidades e regiões. Em cada lugar vemos todos os tipos de trabalho acontecendo todos os dias: sapateiros, cozinheiros, garçons, limpadores de janelas, enfermeiros, tatuadores ou trabalhadores do lixo. Mas a maioria das atividades de trabalho acontece a portas fechadas. Muitas vezes o trabalho não é apenas invisível, mas também inimaginável. Por isso é vital investigar, abrir os olhos e pôr-se em movimento. Onde podemos ver que tipos de trabalho? O que está oculto? O que acontece no centro de uma cidade, o que acontece na periferia? O que é característico e o que é incomum em cada cidade? Que processos de trabalho colocam desafios cinematográficos interessantes?”

 

O conjunto de vídeos dos workshops pode ser visto nesta página. Aqueles realizados no workshop brasileiro (no Rio de Janeiro), em 2012, estão neste link.

 

O projeto de Farocki envolvia, ainda, a produção de remakes do filme dos Lumière em cada cidade onde se realizava o workshop. Que tipo de trabalhadores ainda vemos sair de seus locais de trabalho? No vídeo que incluo aqui, destaco quatro exemplares para efeito de ilustração. No primeiro, a saída de funcionárias de uma fábrica têxtil em Bangalore (Índia) que se assemelha a um desfile de moda, tais são a diversidade e a beleza dos saris, kaftans e kurtas usados pelas moças. No segundo, operários com deficiência visual saem de uma fábrica de vassouras e escovas em Berlim. Em seguida, destaca-se o gracejo de um trabalhador ao sair de uma fábrica em Lodz (Alemanha). Por fim, a indolente participação de um cachorro na porta de uma fábrica de Bucareste, que evoca a onipresença dos cães nas primeiras filmagens da fábrica Lumière.  

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