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As saídas se multiplicam

Pelo mundo afora

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A prática de filmar o fim de turno e a saída de operários espalhou-se rapidamente por diversos países. Em 1899, já os operadores dos Lumière percorriam o mundo em busca de imagens. Filmaram na Europa e na Ásia. Nos EUA, em Portugal e principalmente na Inglaterra, os cinegrafistas locais escolhiam os portões de fábrica como locação ideal para operar seus equipamentos e, muitas vezes, atender à vaidade dos industriais. O material humano ganhava foros de peça publicitária.  

Para os operadores dos Lumière, a Indochina, então parte do império colonial francês, era um destino privilegiado. Em Hanói, Vietnã, seus enviados registravam a saída dos empregados da fábrica de tijolos Meffre et Bourgoin em 1899. Vemos adultos e crianças passarem pelo controle no portão e deixarem o local disciplinadamente com seus chapelões.

Em Saigon, o cinegrafista Gabriel Veyre filmava, também em 1899, a saída dos operários de uma fábrica supostamente de equipamentos bélicos. La Sortie de l'Arsenal apresenta uma conformação curiosa: as pessoas atravessam a imagem longitudinalmente, ao contrário dos primeiros registros do gênero, cuja movimentação se dava em direção à câmera. No entanto, vê-se à esquerda um cinegrafista que gira a manivela de uma filmadora, como se estivesse captando a mesma cena pelo ângulo frontal. Na verdade, consta que ele apenas simulava a filmagem, o que não impede que este seja um dos primeiros exemplos de filme de intenção autorreflexiva na história do cinema. 

Tido como o primeiro filme português, Saída do Pessoal Operário da Fábrica Confiança foi rodado por Aurélio da Paz dos Reis em 1896, na Rua de Santa Catarina, centro da cidade do Porto. A filmagem segue padrão semelhante à dos Lumière, com o registro em fluxo contínuo e as trabalhadoras bem vestidas se dispersando à direita e à esquerda, logo ao transporem a porta do estabelecimento. Uma charrete e um carro de boi cruzam a imagem em primeiro plano. A fábrica de camisas explica o fato de a quase totalidade do pessoal ser de mulheres costureiras.  

Nos EUA, a produtora e distribuidora American Mutoscope & Biograph realizou diversos filmes de saída de fábrica em várias cidades do país. Veja mais sobre isso no capítulo Cinema industrial.

Em 1903, o cinegrafista estadunidense Frederick S. Armitage registrou a saída dos operários da fábrica Parke Davis de produtos farmacêuticos (posteriormente incorporada pela Pfizer). A imagem icônica da chaminé destaca-se no fundo do quadro. Como de praxe na época, a cena sugere ter sido planejada cuidadosamente, a julgar pelo fluxo duplo e organizado de pessoas: uma coluna de pedestres à esquerda, ciclistas à direita. Um homem (possivelmente o showman) aparece em primeiro plano organizando o fluxo de passantes.

Na Inglaterra foram muitos os registros do gênero. Destaco aqui a saída do pessoal de uma indústria têxtil em cidade não identificada, em 1901. O filme esbanja vivacidade na movimentação de homens, mulheres e crianças, estas se divertindo a valer com a presença da câmera. O padrão de dispersão à direita e à esquerda se repete, inclusive em relação às duas charretes que fecham o cortejo, carregadas de grandes cestos. Àquela altura, o ramo dos têxteis já parecia ter conquistado a preferência dos cinegrafistas de portão de fábrica.

A frequente presença de crianças nesses filmes se deve a várias circunstâncias. De um lado, o trabalho infantil “em meio expediente” era largamente utilizado nas indústrias no início do século XX, em condições reputadamente degradantes e mal remunerado. Considerava-se que a criança na fábrica estava sendo educada e colocada no “bom caminho”. De outro, havia os meninos e meninas que levavam refeições para os pais. Sem contar as crianças que acorriam às fábricas pela simples diversão de aparecer em alguma filmagem previamente anunciada. 

 

 

Em outro exemplar de 1900, operários e operárias saem de uma fábrica não identificada na Inglaterra. Esse filme se torna particularmente interessante dada a proximidade com que as pessoas passam em relação à câmera, em franca interação com o equipamento. Isso possibilita ao espectador uma fruição mais detalhada de seus rostos e expressões. Ocorre, assim, um certo deslocamento da visão dos operários como mera força de trabalho coletiva para um relance de suas individualidades. Em comparação com o filme acima, as duas charretes abrem o cortejo, em vez de fechar. Às crianças foi concedido o privilégio de sair à frente dos adultos, seguidas então por empregados de alto escalão, depois dos quais vem o operariado.

Mais um registro de 1900, também na Inglaterra, permite uma visão bastante próxima dos rostos dos operários, todos homens, ao deixarem a fábrica Platt de máquinas para a indústria textil, na cidade de Oldham. De meninos a idosos, eles caminham em direção à câmera. O ritmo ralentado da imagem e o interesse despertado pelo equipamento de filmagem favorecem o contato visual virtual entre eles e o espectador.

 

Também curiosa é a filmagem de empregados saindo da fábrica Tweedales and Smalley, em Castleton, Inglaterra, em 1905. Trata-se de uma indústria de máquinas têxteis que mais tarde produziria também armamentos durante as duas guerras mundiais. Cabe observar a ausência de uma hierarquia no fluxo de pessoas, ao contrário do que acontecia nas saídas da fábrica Lumière. Aqui os homens de sobretudo e chapéu social deixam a fábrica misturados aos operários com suas boinas. Um menino distribui alguma publicação nos primeiros segundos do filme, e outros se aglomeram diante da câmera nos segundos finais. A frequência com que passam fumando e fazem questão de soprar a fumaça quando estão próximos da câmera sugere um momento lúdico e de alforria.

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